A política autárquica está divertida
Agora que me reformei da política é que ela ficou divertida,
diria mesmo cómica. Se já não bastavam todos os episódios burlescos da
campanha eleitoral de norte a sul do país, onde listas independentes albergavam
ressabiados partidários e outras candidatos que não fazem a mais pálida ideia o
que é uma autarquia, militantes de toda uma vida de um partido a
candidatarem-se por outros que sempre combateram, coligações patéticas com
partidos inexistentes (como aconteceu em Tavira e não só), promessas de toda a espécie
como se não tivessem noção da situação que o país vive, cartazes anedóticos a
desafiar a imaginação inimaginável, tudo e mais alguma coisa que se pudesse
algum dia imaginar que existisse, eis
então que o pós-eleições é ainda mais verdadeiramente surpreendente.
Não conheço todos os casos mas estes são suficientes para se
perceber ao ponto a que isto chegou:
Em Portimão o PSD e o CDS tiveram um somatório de votos
superior ao PS. Significa, ainda que no plano teórico, que a soma das partes
seria o suficiente para vencerem as eleições. O que fizeram? Não fizeram. Foi
cada um para seu lado, alguns militantes do PSD encontraram guarida nas listas
dos centristas, outros fizeram pior e deslumbraram-se com o aroma da rosa e
agora como se já não bastasse o enorme nó cerebral a que os portimonenses foram
sujeitos quando olharam para as listas, o PS convidou o candidato do PSD para o
executivo de modo a garantir uma maioria e este aceitou. Isto não é invenção
minha nem sonhei numa noite de pesadelo. É mesmo verdade.
Em Loures a CDU com Bernardino Soares à cabeça conseguiu a
proeza de reconquistar uma autarquia que já tinha sido sua. Porém sem maioria.
Vai daí olhou para os lados e quem estava ali à mão se semear? O PSD e o seu
dinossauro autárquico das Caldas da Rainha que havia migrado para sul em
direcção a Loures, tal como outros também o fizeram noutras zonas do país. E o
que fez o bom do Bernardino? Uma coligação que no caso em apreço pode ser
denominada de vodka-laranja. Sim, o até agora líder parlamentar comunista fez
uma coligação com os malandros do PSD que assinaram um pacto de agressão com a
troika, que são os rostos de uma política neo-liberal criminosa e que estão ao
serviço do grande capital na exploração da classe operária. Os chavões não são
meus, podem ser encontrados em qualquer discurso do chefe Jerónimo na euforia
do encerramento da Festa do Avante.
Em Sintra, o PSD não manteve a câmara porque não quis. Nem
mais nem menos. Cansou-se de ser Poder naquele município, um dos mais populosos
do país e de maior importância estratégica no que concerne à força do voto
urbano e na geometria da liderança da área metropolitana de Lisboa, exportou o
Seabra para ser imolado em Lisboa e entregou numa bandeja de prata aquele
município ao PS do socialista histórico Basílio Horta. Não é histórico? É
cristão-novo? Mas olha que imita muito bem. E entregou como? Candidatando o
amigo do chefe na lista oficial provocando a candidatura independente do até
então vice-presidente da autarquia, ao qual se juntaram figuras gradas da
social-democracia. O que aconteceu? O primo Basílio venceu as eleições. Mas por
poucos votos. Então o que fez? Coligou-se. Com quem? Com o PSD oficial.
Estes são apenas três exemplos mas haverá mais.
Façam o favor de pensar um pouco nisto porque o assunto é
mais ou menos sério, nomeadamente para aqueles que acham que ainda há esperança
de termos em Portugal uma classe política que nos possa trazer alguma réstia de
orgulho e de decência.
Não me venham dizer que as eleições autárquicas são diferentes
porque nessa justificação não pode caber tudo. Deixem algum espaço para a ética
política, para o direito à diferença e para a separação das águas em que se
perceba que isto não é tudo igual nem a mesma coisa.
Otto Kirchheimer, um dos mais relevantes constitucionalistas
alemães do século passado, foi o percursor do “catch-all-party” uma espécie de
partido de todo o mundo cuja principal característica era a relativa
desincorporação da sociedade civil em prejuízo da segmentação a forças
corporativas mais representativas. Não é isso que se pretende mas a verdade é
que a política autárquica actual e quem sabe a legislativa no futuro, poderá caminhar
para uma situação em que não há como distinguir quem é quem, uma vez que depois
de eleitos os políticos misturam-se uns com os outros num cocktail que a mim me
parece algo pernicioso.
Confrontam-se, combatem-se e até se enxovalham nas campanhas
eleitorais, mas quando cai o pano e se sabe o veredicto, tratam de se encaixar
uns nos outros, na maior parte dos casos por mera conveniência pessoal.
Ao contrário do que possa parecer, isto não é grande coisa e
terá a prazo o seu resultado.
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