HÁ UM PAÍS REAL DO QUAL NÃO SE FALA NOS CORREDORES DO PODER. ESSE PAÍS REAL CHAMA-SE: INTERIOR DE PORTUGAL


A desertificação tem imagens de referência. A principal, na minha opinião, é a escola primária abandonada. Seja no Norte ou no Sul e no Centro não é diferente, a razão é comum: deixou de haver crianças em número suficiente para manter a escola aberta. A solução é juntar as que restam num transporte com última paragem na sede do concelho onde se reúnem com meninas e meninos de outras proveniências.


Na minúscula aldeia flaviense de Fernandinho, pertencente à União das Freguesias de Loivos e Póvoa de Agrações, a escola primária do Plano dos Centenários fechou há muito tempo, a julgar pelo estado em que se encontra. Sobrou pouca coisa. O cabide, o estrado, o quadro, a salamandra para aquecer a sala nas geladas manhãs de inverno transmontano a quase mil metros de altitude e a secretária da professora com a gaveta aberta sem nada lá dentro. A porta está aberta e os vidros partidos. Pouco mais resta para além das memórias. 


Poucas são as esperanças em relação ao processo de desertificação do interior. É imparável e irreversível contra o qual todos estão de acordo, mas poucos têm sido capazes de contrariar. O directório está em Lisboa. É lá que está quem manda. E estão tão longe desta realidade. Seja no Terreiro do Paço, em São Bento ou na 5 de Outubro. Pouco importa. O interior serve para plantar eucaliptos para depois alguém lhes deitar fogo. O resultado é servido numa bandeja aos que negoceiam à volta da tragédia. Para os que vivem no interior é uma espécie de morte lenta: um dia ela chega. Mas enquanto isso não acontece, revivem-se as memórias através das imagens que ainda se conseguem registar. 



É um drama que não se explica em quatro parágrafos. É toda uma cultura de abandono a que nos condenámos quando nos incutiram que só é possível ter qualidade de vida e oportunidades no litoral ou junto das grandes cidades. Como se isso fosse inteiramente verdade. Não se trata da vontade ou falta dela, deste ou daquele. É uma tendência que se transformou rapidamente em realidade absoluta. Fecha-se a escola, encerra-se a linha do comboio, o tribunal, a repartição pública, o centro de saúde e ao mesmo tempo constrói-se uma autoestrada, com portagens, quase sempre na vertical porque na horizontal teria com destino ou ponto de partida o interior. E no interior já sobram poucos e os poucos que sobram não precisam de uma autoestrada, a não ser para fugir mais depressa para o litoral. 



É isto que temos. E é uma pena.


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