Back to basics
A política portuguesa há uns anos a esta parte tornou-se
pastosa e demasiado nublada. António Guterres quando se demitiu fê-lo para
evitar o pântano para o qual foi contribuinte líquido e daí para cá a coisa só
teve agravamento.
Mesmo no tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro, anos
dourados para o país comparados com estes que se vivem agora, pese embora a sua
vontade de modificar o estado em que as coisas estavam e reformar os principais
sectores de actividade e o próprio Estado, a verdade é que à sua volta gerou
muita bactéria política com interesses financeiros que se vieram a revelar
ilícitos mais tarde, o que só demonstra a apetência de algumas figurinhas para
se aproveitarem da vida pública para enriquecerem.
Hoje, quase não se fala de política no sentido genuíno do
termo. Francis Fukuyama previu o fim das ideologias e a razão assistia-lhe. A
política já praticamente não é feita em lado algum por razões ideológicas de
bondade, género esquerda direita, capitalismo ou socialismo, mas sim numa
óptica de sobrevivência, enriquecimento, aproveitamento, delapidação e ruína do
bem público.
Eu diria mesmo que o poder político deixou de comandar para
ser comandado. O ordenamento político está subvertido e quem de facto comanda
sãos os interesses corporativos que ganham força em sistemas democráticos
frágeis onde os eleitores ainda não estão sensibilizados para uma participação
mais activa e para o verdadeiro exercício da cidadania. Nesse sentido o poder
político subverte-se para poder sobreviver e o sistema já de si inquinado jaz
morto e apodrece.
Depois veja-se o que se tem passado nos últimos anos em
Portugal. Não se pode dizer que regra geral as coisas tenham corrido todas mal,
mas observem-se os principais casos que emergiram da classe política de topo.
Nem é preciso descer muito. Basta ficarmos pelos portugueses que exerceram as
funções de primeiro-ministro. Barroso fugiu para o “eldorado” de Bruxelas
depois de ter levando um valente puxão de orelhas dos portugueses nas eleições
para o parlamento europeu de 2004. Em vez de ficar e reconquistar a confiança
do eleitorado foi à vidinha dele. Deixou-nos como prémio de consolação Santana
Lopes que em meia dúzia de meses cometeu a proeza do presidente da república
perder a paciência, ao ponto de dissolver o parlamento e convocar novas
eleições. É bem verdade que Santana Lopes não fez nem uma décima parte de
prejuízos públicos e políticos do seu sucessor Sócrates. Mas Sampaio era
socialista e Cavaco foi um presidente quase ausente no primeiro mandato. Só
isso explica que Sócrates tenha sido primeiro-ministro durante seis longos e
penosos anos.
Se ainda há dúvidas do que Portugal não precisava mesmo ter
passado nos últimos anos, o anterior governo é bom exemplo disso. E quando se
conhece aquilo que é dito por testemunhas e arguidos no julgamento do caso
Freeport, fica-se com a ideia que perdemos todos o juízo. Um dia vamos querer
explicar que Sócrates foi primeiro-ministro e quem nos estiver a ouvir rirá de
nós. Sim, também há o BPN onde a malandragem de colarinho branco sugou os
recursos financeiros do banco, para mais tarde a classe política o transformar
num imenso problema de finanças públicas. Ainda ninguém está condenado mas já
estamos todos a pagar o prejuízo.
E por fim o estado a que as coisas chegaram, com um clima da
mais completa promiscuidade entre a política, os negócios e os interesses
ocultos, onde se utilizam meios do próprios Estado como são os serviços
secretos de informação, que deviam servir para coisas mais honestas e
importantes do que vigiar a vida de empresários, de jornalistas e sabe-se lá
mais de quem. E isto é o que se sabe. O que não se sabe deve ser terrível.
É este fim do sentido de honestidade da política e dos
políticos que me preocupa, porque sei que o abismo fica logo ali e todos
cairemos dentro dele se não for feita alguma coisa. No dia em que se perder em
definitivo a confiança na classe política, a democracia morre. E se a
democracia morrer, nascerá uma ditadura ou algo parecido.
Por isso parece-me de vital importância neste tempo que não
é fácil, que alguém seja capaz de fazer regressar à política o verdadeiro
sentido de serviço público de honestidade e de rigor. Mas para isso não podemos
continuar com este sistema de desvalorização permanente da actividade política.
É impopular dizer isto mas é verdade: são precisos menos políticos dos que
temos hoje, mas muito melhor remunerados. Só assim é possível atrair gente com
qualidade e honestidade para fazer regressar o exercício da política ao básico
que é servir os cidadãos e o Estado e não se servirem deles.
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