O meu Caminho de Santiago – Preparação e Motivação.

Há muitos anos que ouvia falar do Caminho de Santiago como sendo uma das mais bonitas rotas de peregrinação do mundo, conhecido também pela exigência dos seus vários percursos os quais saem das mais diversas proveniências.  Tendo o gosto pela prática do BTT e sabendo do desafio que constitui chegar à Plaza de Obradorio onde se encontra a Catedral que guarda as relíquias do Apóstolo Santiago (assim o dizem), planeei para estas férias partir de Chaves em direcção a Santiago de Compostela, perfazendo a distância mínima exigida em bicicleta: 200 quilómetros.

O meu “Caminho” não foi feito em autonomia total como muitos ciclo-peregrinos o fazem e como eu acho que deve ser feito, levando na bicicleta a mercadoria necessária para os dias de viagem e pernoitando nos albergues que existem disponíveis para o efeito. No entanto porque a minha vontade era sobretudo experimentar a sensação de percorrer o Caminho de Santiago e o tempo disponível para o efeito eram três dias, fui acompanhado da família (a Sónia e o meu tio Fernando) a qual tudo fez para que nada me faltasse, abastecendo-me de água e bebidas isotónicas, de comida (bocadillos, bolos secos e fruta), de comprimidos para as dores quando elas apareceram e sobretudo de ânimo uma vez que o percurso tem a sua dureza e percorrê-lo sozinho a pedalar implica capacidade para abstrair das dificuldades que ainda são algumas.

Uma vez que sou um utilizador da bicicleta de ocasião e não tenho uma preparação física cuidada e devidamente planeada em termos de treino, era óbvio que ia sentir algumas dificuldades físicas. Para um ciclista bem treinado, não é nada de especial percorrer 200 quilómetros em três dias com cerca de 4000 metros de acumulado de subida. Mas para mim as dificuldades estiveram muito presentes, não é vergonha admiti-lo, as quais foram sempre temperadas com a vontade enorme de chegar a Santiago de Compostela cumprindo o objectivo.

Este ano tenho feitos cerca de 2500 quilómetros de bicicleta o que para alguns parece muito mas são seguramente poucos para ciclistas mais exigentes. Digamos que foi essa a minha preparação ainda que com muito menos quilómetros seja possível fazer o Caminho de Santiago nas condições em que eu fiz. Aliás, dias depois conheci uma jovem que fez no ano passado o mesmo percurso e apenas se preparou dois meses antes. Como ia acompanhada de betetistas experientes sempre que se sentia cansada alguém a animou/empurrou para seguir em frente. É normal e faz todo o sentido que assim seja.

Foi assim que planeei toda a logística para no dia 17 de Agosto partir do Largo Luís de Camões em Chaves, mesmo em frente à Igreja Matriz, local de grande significado para os muitos peregrinos que ao longo de séculos percorreram o Caminho Português Interior, onde está colocado o marco de sinalização com a distância para Santiago de Compostela: 209 quilómetros.

E assim fiz-me à estrada, neste caso ao Caminho, por volta das 8:30 da manhã.

Podia entrar em grandes pormenores de ordem técnica, física, psicológica ou espiritual para dourar as dificuldades do desafio a que me propus mas a verdade é que isso não faz sentido nem corresponderia à realidade. Quem quer fazer o Caminho de Santiago nas condições em que fiz, sem ser em autonomia total, só tem de ter em conta meia dúzia de coisas, que são: 1)dispor de uma bicicleta de montanha robusta e fiável sem ser necessário uma muito pro-racing ( a minha esteve à altura dos acontecimentos e só o desviador da frente deu os seus habituais problemas); 2) estar habituado minimamente a andar neste tipo de bicicleta tendo em conta que vai encontrar trilhos muito técnicos; 3) estar bem fisicamente e sobretudo preparado para levar a bicicleta às costas uma vez que existem troços não cicláveis, bem como enfrentar subidas longas e algumas delas com mais de 10% de inclinação; 4) dispor de família ou amigos que queiram participar e ajudar neste desafio dando apoio ao longo do Caminho. Se for sozinho é mais difícil mas também muito mais aliciante e corajoso; 5) planear os locais onde vai pernoitar uma vez que por não seguir em autonomia total não pode nem deve optar pelos albergues de peregrinos; 6) ter uma motivação forte e concreta seja ela qual for. Cada um tem a sua a qual pode ser mais espiritual ou apenas desportiva e de lazer.

Porém há algo que é fundamental. Seja qual for a motivação de cada um, o Caminho de Santiago é para ser percorrido tendo bem presente três valores de vida fundamentais: respeito, dignidade e solidariedade. Respeito porque se trata de uma rota de características religiosas e quem não se guia por essas convicções deve respeitar quem as tem. Dignidade porque é assim que devemos estar em tudo o que fazemos na vida, seja fácil ou difícil. E solidariedade porque no Caminho nunca se está sozinho. Se alguém precisa de ajuda, devemos dá-la sem olhar a quem pede.


Continua…

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