Sobre as novas medidas de austeridade tenho a dizer o seguinte:


1 – Já referi várias vezes que quem devia estar a governar neste momento era o PS e José Sócrates. Foram os socialistas que ganharam as eleições em Setembro de 2009 e como tal o mandato só terminaria em 2013. Como em 2011 negociaram e assinaram o memorando de entendimento com a troika e como uma boa parte da responsabilidade do estado a que o país chegou, eminente bancarrota, é dos socialistas e do seu fartar vilanagem governativo, deviam ser eles a resolver o problema que em grande medida arranjaram. Acontece que não foi isso que aconteceu por razões que são conhecidas.

2 – Eu não acredito nem ninguém de bom senso acredita que um governo seja de que partido for, goste de tomar medidas duras apenas para chatear as pessoas. Não é assim que as coisas acontecem. Tem de haver uma razão muito ponderosa para se aumentar impostos ou para tomar medidas austeras. Quem não o faz, necessitando, está a hipotecar o futuro a prazo e a correr o risco de chegar a um beco sem saída. Como tal, sei que existem vários problemas para resolver em Portugal que só têm solução com mais dinheiro nos cofres do Estado.

3 – A política tem de ser um exercício de verdade porque ela é baseada numa relação de confiança entre eleitos e eleitores. Não falar a verdade às pessoas tem consequências e mentir premeditadamente, ainda mais graves. Parece-me que Passos Coelho disse coisas em campanha eleitoral que não correspondem à sua prática e outras que não disse acabou por fazer. É portanto natural que o elo da confiança gerado numa expectativa de esperança se esteja a quebrar e em muitos casos já esteja de facto partido. Quem deu a vitória eleitoral ao PSD não foram apenas os seus militantes, foram sobretudo pessoas que não têm militância partidária e que votam alternadamente no PS ou no PSD, conforme as circunstâncias.

4 – A sensação que tenho daquilo que vejo no dia-a-dia, sobretudo quando lido com aqueles que trabalham e não têm forma de contornar as medidas de austeridade do governo, é que já não há espaço de manobra para mais. Muitas famílias portuguesas que pertencem à chamada classe média, as quais trabalham por conta de outrem, seja no Estado ou no privado, estão com a corda na garganta. Endividaram-se, é certo, e muitas bateram de frente contra a parede do desemprego, o que aumenta o grau de preocupação e de risco. Aquelas que ainda têm trabalho, hoje levam muito menos dinheiro para casa, porque o Governo não consegue arrecadar receita de outra forma que não seja aumentando impostos que como é sabido, trata-se de uma medida rápida e eficaz de provisionar os cofres do Estado.

5 – Há portanto uma clara asfixia da classe média que tem uma influência determinante na economia de um país, na medida em que não pesa tanto ao Estado como as classes mais baixas a quem é necessário assistir socialmente, e é o motor da receita fiscal, sendo também quem coloca Portugal a funcionar no local de emprego de cada um. Os que têm, naturalmente.

6 – Em relação às medidas em concreto que foram anunciadas, nomeadamente aquela que faz aumentar a prestação da segurança social, na prática o que vai originar é uma descida do valor do trabalho, uma diminuição na produtividade e um aumento na ansiedade e irritação das pessoas que já estão cravadas de impostos nos seus rendimentos. Ou seja, quem trabalha não só não foi aumentado e isso já foi entendido como um esforço para tirar o país do atoleiro em que alguém o meteu, como agora vêm uma redução significativa no seu ordenado líquido. Para além disso sou daquelas pessoas que acredita que a motivação é um factor determinante para a produtividade. Para além da classe política, dos jogadores de futebol, alguns profissionais liberais e daqueles que vivem da especulação fugindo aos impostos através de esquemas de contas off-shore entre outros expedientes, quem é que está motivado em Portugal porque vive bem daquilo que ganha? Por fim, como dizem os brasileiros, o governo anda a cutucar na onça com vara curta e isso vai sair-lhe caro. Obviamente que vai surgir contestação e a rua, provavelmente, vai incendiar-se com protestos, uns mais genuínos que outros. Porquê? Porque há um limite para tudo ainda mais quando se olha à volta e se observa que quem paga a conta são os mesmos de sempre.

7 – Já pensei 100 vezes no assunto e ainda não consegui perceber a certeza que o governo tem de estar a impulsionar as empresas com a redução da prestação para a segurança social paga pelos patrões relativa aos seus trabalhadores. Mas qual é a empresa que neste cenário de guerra em que estamos, vai criar postos de trabalho apenas porque o empregado fica mais barato em termos de encargos? O que as empresas vão ver é que as pessoas têm cada vez menos dinheiro para consumir e que os impostos indexados ao consumo são elevados, levando a uma retracção. Aliás basta ver o que tem acontecido com as receitas do IVA. Perguntem no Algarve a um empresário do sector do turismo ou da restauração se a partir de 2013 com as medidas agora anunciadas vai criar mais postos de trabalho. Não vai de certeza. O que vai é ter mais dinheiro em tesouraria e mesmo assim não sei em relação a muitas PME´s, uma vez que isso só pode acontecer se produzir e vender e só vende se houver alguém para comprar.

8 – Também é verdade que o Governo tomou esta iniciativa porque levou um chumbo do Tribunal Constitucional em relação às medidas que tinha tomando no ano passado dirigidas aos funcionários públicos e aos pensionistas. E levou um chumbo porque não acautelou a constitucionalidade da medida e o mesmo parece estar a acontecer com esta, o que a verificar-se no futuro terá naturalmente consequências práticas, tanto políticas como judiciais. Nesta matéria o Governo faz-me lembrar aquelas pessoas que estão habituadas a uma determinada situação até que de repente a lei muda. A primeira coisa que essas pessoas fazem é analisar a nova lei para encontrar uma forma de a contornar. Se no caso de um privado esta prática já levanta reparo, no caso do Governo representa alguma falta de respeito pelo Estado de Direito.

9 – Estas coisas em política estão demasiado vistas e até estudadas. É verdade que há problemas muito sérios para resolver em Portugal e que a entrada do financiamento do FMI veio permitir que o Estado honrasse os compromissos imediatos que tinha em curso. As pessoas indignam-se e com razão mas a verdade é que estivemos muito perto de não ter dinheiro para pagar salários a professores, médicos, polícias, demais funcionários públicos entre outros. E também é verdade que não havendo para estes, o Estado pára. Porém ninguém nos garante que tudo isto não seja uma forma de apertar agora para aliviar depois e o problema em vez de se resolver, vai manter-se. Já poucos se recordam mas nunca é demais lembrar, que em 2009 o PS tinha, a poucos meses das eleições legislativas, sondagens com valores muito apertados em relação ao PSD e mesmo não tendo folga para isso baixou impostos e aumentou os salários na função pública. Os que se manifestam hoje mais ruidosamente nessa altura estavam felizes. Mas a factura para pagar estas loucuras não tardou a chegar. E chegou com estrondo. Acontece que o dito cujo já não está cá. A esta hora está a rir-se alarvemente ou a rugir, qual animal selvagem, num qualquer bom apartamento de luxo em Paris.

10 – Em jeito de conclusão, sou contra estas medidas anunciadas pelo primeiro-ministro. As mesmas podem resolver o problema imediato do Governo – duvido - mas prejudicam ainda mais a qualidade de vida das pessoas e a própria economia. Neste cenário presumo que o desemprego não vai parar de subir e o clima de crispação social vai aumentar. Temo o pior e o pior é mesmo uma tremenda confusão nas ruas. Sem recorrer demasiado à memória basta recordar o que se passou em Atenas. O Governo não juntou a estas medidas algumas que lhe tocassem também a si, nomeadamente o corte nas denominadas gorduras do Estado que tanto se falou mas pouco se viu. Começa a não haver margem de manobra para tanta austeridade e o Governo que se diz de matriz social-democrata, não trata todos por igual e deixa muita gente de fora do esforço colectivo que é necessário fazer. Se já não bastavam tantas outras coisas más que nos têm acontecido, esta agora é mesmo a gota que pode transbordar o copo. Não foi para isto que muitos portugueses confiaram o seu voto ao PSD e eu não sou excepção.

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