A diferença entre Soares e Churchill
Mário Soares é o político mais político de Portugal e como
tal tem coisas boas, satisfatórias, más e muito más. As suas últimas intervenções
a propósito do governo, só podem ser rotuladas de muito más e extraordinariamente
populistas.
O senador socialista é dos poucos portugueses que sabe bem o
que é governar com imposições de austeridade derivadas de apoio financeiro externo,
uma vez que foi no seu tempo de governante que o FMI esteve em Portugal,
assistindo-nos e impedindo-nos de ficarmos numa situação de bancarrota sem
dinheiro para pagar as mais elementares obrigações do Estado.
Uma vez que tivemos de novo de receber apoio externo porque
os mercados deixaram de nos emprestar dinheiro, pela simples razão que não
confiam em nós e na nossa capacidade de proceder ao reembolso, Mário Soares
sabe bem o que isso implica, mormente porque são-nos e foram-nos colocadas
tarefas para cumprir as quais deverão levar ao chamado reajustamento da
economia, devolvendo-nos a capacidade de nos financiarmos novamente nos tais
mercados. Ou seja, voltarem a ter confiança em nós, coisa que neste momento não
existe.
Por saber que é assim e ainda que haja medidas e
iniciativas, nomeadamente ao nível da comunicação e da postura do governo face
aos problemas, deveria ser alguém muito avisado como Mário Soares o primeiro a
colocar-se do lado da razão e não da emoção. Do lado da solução e não do problema.
Não o faz por uma simples razão que está-lhe no sangue: o
combate político de derrotar quem não é da sua preferência partidária e a
vontade desmedida de protagonismo que um homem público mesmo no ocaso da vida
não consegue perder.
E isto é mau? Não. É péssimo.
Se António José Seguro viveu em Marte durante os seis
penosos anos da vigência socrática e por isso não tem relação directa com o que
aconteceu ao país, Mário Soares parece que esteve por cá mas ficou-se por um
silêncio cúmplice, quiçá como resguardo de conforto aos milhões que saiam do
Orçamento do Estado directamente para a Fundação que tem o seu nome. Numa
altura em que Portugal estava em plena roda-viva, a despesa pública aumentava
exponencialmente e o governo assinava contratos ruinosos com as PPPs, Soares
assobiava para o ar, por entre uma candidatura presidencial falhada em toda a
linha e apoiada por Sócrates e as muitas declarações públicas que fazia, anuindo
sempre com o caminho de desastre que o país estava a trilhar. Nessa altura não
estava preocupado? Será que alguma vez esteve? Está agora porquê? Está mais
consciente agora ou as transferências do Estado para as fundações deixou-o mais
alerta?
Existem hoje mais razões de preocupações do que aquelas que
haviam na década de 80 do século passado quando o FMI entrou no país e Soares
colocou os portugueses a apertar tanto o cinto até não haver mais buracos para
suster a fivela? Na minha opinião existem outras diferentes, mas o país hoje
está mais capacitado para dar a volta à situação do que estava nessa altura,
ainda que o processo esteja a ser tremendamente doloroso.
Mas uma coisa mudou com toda a certeza. Mário Soares tem
mais 30 anos do que tinha nessa altura e muito mais responsabilidade, uma vez
que no entretanto foi Presidente da República e assumiu perante os portugueses
uma posição que lhe permitiria, se quisesse, ser o fiel da balança dos
conflitos ou dos consensos. Nunca o fará. É mais socialista que democrata. É
mais complicado que simples. É mais protagonista do que assistente. E é também
mais desafiador do que desafiado e eu dessa característica até gosto.
Por isso nunca será lembrado em Portugal com o consenso que
Churchill tem hoje no Reino Unido e no mundo inteiro. É a diferença entre os
grandes homens e os excepcionais. Churchill foi excepcional.
Nota: Chegou ou vai chegar mais um cheque de 4.300 milhões
de euros da assistência financeira que servem, não só mas também, para pagar os
ordenados a muitos portugueses que estiveram nas manifestações de 15 e de 29 de
Setembro. Não é caso para muita publicidade, até porque se trata de uma
consequência do cumprimento do acordo feito entre o Estado português e a
troika, mas também não é demais lembrar.
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