O meu receio

Estou quase na fase do tanto me faz. Faço de conta que continuo a acreditar que o governo sabe o que está a fazer, porque isso me dá algum ânimo para olhar em redor e ver tanto corte, tanta coisa parada, tanta reclamação, tanta inépcia, tanto desemprego, tanta gente sem rumo, nem dinheiro e nalguns casos com grande dificuldade para colocar um prato de comida em cima da mesa.
As notícias são invariavelmente más. Mas para mim a pior é mesmo a forma como a crise tem vindo a degradar o “edifício” democrático. Sim, a crise não é apenas financeira, é também política e moral. É social, naturalmente. Não tem como não ser. Afinal é das pessoas que se trata.
As mentiras, os enredos, as previsões falhadas, as licenciaturas aldrabadas, os buracos financeiros, os contratos leoninos onde nós todos somos o elo mais fraco, ajudam a inquinar a salubridade do oxigénio que a democracia precisa para viver. Já acredito em tudo sem acreditar em quase nada.
Ainda hoje vi o resultado de uma sondagem feita no país, onde o Bloco de Esquerda e o PCP valem mais de 20%. Na realidade não valem. São apenas a consequência do escape em que os portugueses querem enfiar o seu desalento. Não todos mas alguns sabem o quão dramática seria uma solução de governo que passasse por qualquer um destes partidos, onde em uníssono mandassem rasgar os papéis que trouxeram dinheiro para Portugal evitando uma rápida degradação da vida social e económica do país, muito pior do que aquela que estamos a assistir neste momento.
Na mesma sondagem o PS aparece em primeiro lugar, mas longe de garantir uma maioria absoluta, só a conseguindo com um entendimento na área da extrema-esquerda onde de certeza não quer negociar nem um copo com água quanto mais uma solução de governo. Também é normal. É uma espécie de confirmação que o sistema político em Portugal é tremendamente bipolarizado. Quando o PSD está no governo e as coisas correm mal, acontece a subida do PS e o inverso também se aplica.
Ninguém dá mais crédito a Seguro do que a Passos Coelho, exceção feita aos militantes do PS e destes retiro os muitos que apoiam Costa. Este ponto de equilíbrio alimenta o ânimo daqueles que ainda acham que o problema de Portugal tem solução interna. Na minha opinião não tem. Reconhecidamente perdemos soberania, mesmo que não de um modo oficial ou formal, na adesão ao Euro e na negociação do resgate financeiro que nos salvou da mais envergonhada bancarrota. Duas coisas necessárias, talvez mesmo imprescindíveis. Mas com consequências. Estamos na Europa. Mas há quem esteja mais e menos. Nem tudo é igual.
Em todo o caso acho que o meu estado de espírito deve ser partilhado por muita gente. Vivemos numa encruzilhada estranha, sem fim à vista, onde o regresso aos mercados e a amortização do serviço da dívida retira-nos a oportunidade de vivermos melhor. Resta-me a esperança de pensar que a minha filha e os filhos dos outros portugueses, tenham pelo menos a oportunidade de viver no aparente estado de Liberdade em que atualmente vivemos, uma vez que as dívidas estão a ser-lhes endossadas, sem critério nem razão. O problema é que eu acho que o caminho é tão tortuoso e difícil, ao ponto de recear que um dia um qualquer doido perigosamente inteligente, lhes/nos acene com a facilidade de um mundo diferente, porém sem Liberdade.
Basicamente, é este o meu principal receio.

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