TDT , só para quem pode

Eu não me arrogo de saber mais do que quem quer que seja mas também não me permito convencer que não vejo o que os outros vêem. Até porque em muitos casos basta abrir os olhos e olhar à volta.
Eu não conheço os detalhes desta operação de passagem do sinal analógico de televisão para o digital e admito que não seja um bicho-de-sete-cabeças. Costumo até referir que o Homem chegou à lua no século passado, também já colocou uma sonda em Marte e domina todo um sistema de comunicações planetárias através de uns objectos voadores a que vulgarmente se chamam satélites, como tal a Televisão Digital Terrestre (TDT) presumo que seja apenas mais um degrau na evolução tecnológica da nossa vida doméstica. Mas isto é para mim que me habituei a lidar com pequenos electrodomésticos desde criança e não me permito ler um livro de instruções porque confio na minha intuição para aprender mexendo. Como eu há muita gente. Mas diferente de mim também há.
Eu moro num concelho, lindo e fabuloso por sinal, onde há gente espalhada por 600 quilómetros quadrados de território. Na maior parte desta área que correspondo ao interior, situam-se aldeias, pequenas localidades ou aquilo a que vulgarmente chamamos de montes, onde vivem pessoas iguais às que vivem no litoral, mas em condições de vida completamente diferentes. A esmagadora maioria destas pessoas tem uma idade já bem composta, para não dizer muito avançada. Uma fatia delas habita nas chamadas zonas sombra, onde o sinal do digital não chega em condições de ligar o aparelho que transforma o velho televisor com mais de 10 ou 15 anos, num receptor de TDT. A estas pessoas só lhes resta, pelo que percebi, comprar uma antena que tenha bom contacto com os tais satélites que sobrevoam as nossas cabeças todos os dias sem nos incomodar porque andam muito alto. E isto, naturalmente, tem um custo, tal como tem o aparelho, a caixinha, que dá vida digital ao televisor analógico.
Sei bem o que vai acontecer. Há pessoas que, durante muitos dias a única voz humana diferente da sua que escutam é a que sai dos altifalantes da televisão, vão passar a ver um ecrã de “chuva” que nunca mais vai passar.
Naturalmente que os senhores que estão em Lisboa refastelados nos melhores gabinetes da capital, acham que isto não conta para as estatísticas e que vivemos num mundo de gente muito esclarecida e rica. Sim, porque para um cidadão português continuar a ter direito ao serviço público de televisão, vai precisar adaptar-se se ainda não estiver e essa adaptação custa euros. Acontece que os tais senhores ainda não perceberam que há portugueses que vivem no limiar da grande dificuldade e o dinheiro do mês não lhes chega para comida e medicamentos, quanto mais para comprar uma caixa que lhes permite continuar a ver o Goucha, a Júlia Pinheiro ou a Teresa Guilherme. Preocupa-me aliás aqueles que vão ficar impedidos de ver o Benfica a caminhar para mais uma vitória na Super Liga.
Entender isto é entender o que é o mundo real. Aquele que acontece todos os dias, que não é exactamente o nosso porque tivemos outra sorte na vida.
Este caso faz-me lembrar um ex-político da minha terra que um dia afirmou que nos bairros sociais não eram necessários lugares de estacionamento porque os moradores não tinham dinheiro para comprar carros. Para os senhores da TDT, deve haver também muita gente que não os entendem quando falam na televisão, como tal não precisam de os ver e ouvir.
Bem sei onde vai cair o ónus de tudo isto: no governo.
Há os quem pensam que em cada casa existe um moderno plasma ou LCD. Nada de mais errado. Há muitas pessoas que ainda têm um "caixote" e só sabem ligar a ficha do televisor à tomada eléctrica.

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