Esta esquerda é doce mas não pinga
Há muito tempo que não sou cliente do Pingo Doce. Já fui. E
não sou por uma qualquer razão especial, mas apenas porque posso escolher onde
quero fazer as minhas compras, que é uma vantagem que o mercado livre e concorrencial
me permite. Se fosse num país sem esta liberdade, eu teria de ser cliente do
único supermercado disponível. Mas em Portugal há muito tempo que não é assim.
As pessoas vão onde querem e onde a sua carteira permite. E a carteira de
muitos portugueses hoje em dia não pode deixar de ser tentada para um
supermercado que lhe faz uma promoção por metade do preço, ainda que a partir
de um determinado valor.
Quem tem o hábito de fazer compras sabe que não é difícil
encher um carro com mais de 100€ de produtos. É certo que provavelmente virão
dentro dele coisas supérfluas, daquelas que só se compram porque “encalharam”
connosco ou porque o preço sendo pela metade, abre-se uma janela de
justificação. Noutras circunstâncias isso não aconteceria.
Quero com isto referir que me parece de total legitimidade
que uma cadeia de supermercados faça, dentro da lei, a promoção que entenda, no
dia que lhe pareça ser o mais adequado. Só lá vai quem quer. Ninguém tem outro
motivo que não seja o da livre vontade. À minha casa não foi um funcionário do
Pingo Doce apontar-me uma arma à cabeça e obrigar-me a fazer compras no dia 1
de Maio. Aliás, eu nem sabia da promoção. E se soubesse também não ia. Não
porque seja despicienda a compra de produtos a metade do preço, mas porque
simplesmente não me fazia falta ir abastecer naquele dia e sobretudo porque para
mim não são 50€ que me levam a enfrentar uma confusão caótica dentro de quatro
paredes de um supermercado, num dia feriado. Mas esta é a minha opção. Se
tivesse necessidade e vontade, não duvido que iria sem que isso pudesse
representar algum demérito social.
O que acho ter feito confusão, foi o facto de ainda termos
em Portugal muita gente que não gosta de liberdade, porque é disso que se
trata. A esquerda, os mesmos de sempre, arreliou-se não com os compradores mas
com os vendedores. Isto foi o que mostraram. Na verdade a zanga é com todos mas
só com uns conseguem embirrar publicamente. O PCP, o Bloco e algumas franjas
parolas do PS, ficaram indignados com os donos do Pingo Doce, porque não
apreciam gestos dos capitalistas que possam agradar ao povo. Essa é a praia
deles. Os capitalistas, na sua opinião, servem para massacrar e para ganhar
dinheiro à conta dos mais fracos. Não os conseguem aceitar como profissionais
que sabem bem o que andam a fazer e cujas contas de aritmética são pensadas e
feitas previamente, sabendo-se à partida o que vale a pena e o que não vale.
Num país moderno, com livre concorrência e consumidores
esclarecidos, não são os dogmas bafientos da esquerda que fazem disciplinar as
vontades. São as pessoas que decidem onde compram e quanto estão dispostas a
pagar.
Para além disso foi um tiro no porta-aviões da esquerda que
temos em Portugal, saber que milhares de pessoas estão-se marimbando para as
manifestações de rua que acontecem todos os anos de igual forma e onde se dizem
sempre as mesma coisas, preferindo ir abastecer a despensa, por metade do
preço.
Mesmo pesando todos os problemas que surgiram e os momentos
mais anedóticos vividos, a verdade é que o Pingo Doce fez uma jogada de
marketing genial, só possível num país livre e democrático como o nosso onde
cada um dos cidadãos decide uma coisa tão elementar como é a de fazer compras
onde quer no dia que lhe dá mais jeito.
Não se pode uma semana antes comemorar o 25 de Abril e
depois ser-se contra um gesto de liberdade. Não lhes agrada, não vão. Têm
sempre as manifestações com que se entreter.
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