A escolinha, os meninos e os paizinhos

Não sei se haverá tema que gere mais contestação e reivindicação do que a Educação. Poderá ter o seu lado positivo, mas há um certo radicalismo à volta do assunto que nem sempre entendo. Na Educação reclama toda a gente com uma característica que não se vê em mais nenhum sector: quando se chega a um nível, exige-se logo o próximo e o céu é o limite.
Não me pondo de fora do problema porque também sou pai, a verdade é que nem sempre entendo a linguagem dos pais das meninas e dos meninos que frequentam os estabelecimentos ensino do nosso país. Se no privado o grau de exigência é directamente proporcional ao que se paga de propina, na escola pública aquilo que sinto, da realidade que conheço, é o Estado a proporcionar aos alunos muito para lá daquilo que em média os pais podem exigir, atendendo ao factor subjectivo que pode representar a fatia dos seus impostos vocacionada para a Educação.
A questão chega a assumir foros de anedota. Há pais que reclamam de tudo. Se cai um grão de pó em cima da cabeça da menina ou do menino, é preciso pedir responsabilidades à escola, ao agrupamento, à autarquia (no caso do ensino básico) ou ao ministro da Educação.
Grande parte desses pais já se esqueceu o que era a escola que frequentaram onde o frio a chuva ou o calor, faziam parte das condições ambientais da própria sala de aula, já para não falar que na casa de banho em vez de uma vulgar sanita havia uma latrina no chão para onde tudo seguia na hora do aperto, com mais ou menos acrobacia. Também já se devem ter esquecido do leite manhoso que davam a meio da manhã, não havia outro, e do almoço ter de ser em casa porque não havia cantinas nas escolas e muito menos refeições. Muitas vezes uma carcaça do dia anterior barrada com margarina era tudo quando existia dentro da sacola para tapar o buraco no estômago. O pátio, as que tinham porque nem todas tinham, era um espaço exterior de características indescritíveis, onde sobravam perigos e faltavam equipamentos para brincar. Mais uma vez no interior das salas, aquilo que no meu tempo chamavam carteiras e hoje são modernas secretárias, tinham impregnado anos e anos de utilização e eram de madeira apodrecida pelo tempo. Ergonomia? Ninguém sabia o que isso era. O que se ouvia mais era: senta-te, cala-te e presta atenção.
Tudo isto mudou e ainda bem que mudou. Era só o que faltava que não tivesse mudado. Mas mudou também, na minha opinião para pior, a atitude dos pais perante a comunidade escolar e quem tem responsabilidades na gestão e administração do ensino, nomeadamente o básico. De repente os pais decidiram que o céu é o limite. Reivindicam este mundo e o outro. Se uma criança cai no recreio é porque a vigilante não estava a olhar. Se não sabe a tabuada dos dois é porque o professor é incompetente. Se tem frio é porque tem frio se tem calor é porque tem calor. Se o aparelho de ar-condicionado - isto no meu tempo estava ao nível de uma nave de extraterrestres na sala, tal seria a estranheza – está desligado é porque não querem gastar electricidade se está ligado os meninos constipam-se.
Depois reclamam das refeições que não prestam porque o tempero não é o de casa ou porque a comida é regenerada, mas na mochila dos filhos encontra-se com facilidade os bolicaos (passo a publicidade), as gomas e as batatas fritas.
Haverá queixas que são legítimas? Naturalmente que sim. Para as crianças, as nossas e as dos outros, queremos sempre o melhor e não nos serve comparar como era a vida numa escola há 30 anos atrás. Mas vamos com calma. Não transformemos as nossas escolas em locais bacteriologicamente assépticos. As crianças não se querem transformar em flores de estufa. Querem aprender, querem conviver, querem divertir-se e querem crescer conhecendo a vida com as suas coisas boas e más. A realidade das escolas tem de ser compatível com a vida fora dela. O tempo de escola primária, era assim que se chamava na altura, deixou-me recordações que nunca mais as vou esquecer. Mesmo o que agora parece indescritível ou anedótico, ajudou cada um de nós a crescer mais consciente que a vida não é um mar de rosas onde a seguir a um espirro há meia dúzia de pessoas para nos ajudar. Faça-se da escola o ensino da vida, tal como ela é, e não outra coisa qualquer.

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